Friday, January 16, 2009

Povos Indígenas de Pernambuco


O domínio dos Fulni-ô sobre as terras de Águas Belas é bastante antigo, e desenvolve-se profundamente imbricado com o antigo aldeamento que. originaria o núcleo urbano de Águas Belas. Desde o século XVIII têm­-se noticias de índios ocupando a Serra do Comunati, situada ao norte da atual cidade de Águas Belas. Por esta época foi criado o aldeamento do Ipanema, cujas terras seriam doadas aos índios "Carnijós" pelo Governo Imperial através de Carta Régia nº 33 em 05 de junho de 1705, com duas léguas de terras em quadra. Parte desta terra seria cedida em 1832 à Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Águas Belas, que passou a arrendar lotes onde viria a se constituir a cidade de Águas Belas (no centro da área, a sede do antigo aldeamento).Na segunda metade do século XIX o Governo Imperial, através do Aviso de 4 de novembro de 1861, teria determinado a extinção do antigo aldeamento, dado os conflitos entre índios e arrendatários, ato que, no entanto­ não chegou a ser cumprido. Um ano mais tarde uma nova medida do governo estabeleceu que fossem distribuídos lotes de terras para os índios, o que seria realizado 15 anos mais tarde (1877) com a demarcação de 427 lotes, sendo 320 com 30 ha e 107 em tamanhos diversos.

A fragmentação da terra dos índios em lotes, parece não ter significado nem a solução do conflito na região, nem a descaracterização da área total como indígena. Tanto que em 1928 um decreto (nº 637 de 20 de julho) é assinado pelo governador do estado de Pernambuco (Estácio Coimbra), o qual se apresenta como "árbitro" frente às considerações do representante do Ministério da Agricultura, Industria e Comércio (o Inspetor do SPI, Antonio Estigarribia) e o representante do Governo do Estado, sobre a pendência entre os ocupantes das terras do antigo aldeamento e os "descendentes dos índios Carnijós', reconhecendo que o direito destes apoia-se em” título certo e líquido “, mas que há interesses legítimos a resguardar.

Por este decreto a área do antigo aldeamento do Ipanema concedida aos índios em 1705, ressalvado o patrimônio de N.S, da Conceição de Águas Belas, "doadas pelos índios em 1832", foi entregue à administração do MAIC “para que nela residam os descendentes dos Camijós, de acordo com o regulamento do Serviço de Proteção aos Índios”, Este ato significa o reconhecimento do SPI como tutor dos índios e seu representante nos assuntos referentes a terras e arredamentos, na pessoa do Inspetor do SPI, conforme determinava o Decreto Federal nº 5484 de 27 de Julho de 1926, que passa a regular a situação dos índios nascidos em território nacional . O SPI passa então a intermediar os atos ali estabelecidos, mantendo uma situação de reconhecimento do grupo indígena - ainda que na perspectiva de uma "emancipação", como se percebe no ato 17º do decreto - e manutenção dos lotes definidos em 1877. Ainda pelo decreto de 1928 as terras de posseiros que naquele momento ocupavam áreas com moradias e culturas, que não fossem reclamadas por seu dono índio, poderia ser adquirida pelo posseiro (no máximo de 25 ha) pagando seu valor ao Estado. No restante dos casos de áreas ocupadas por posseiros estabelece-se a norma do pagamento do arrendamento, cuja intermediação passa a ser feita igualmente pelo SPI, tendo este até mesmo a preferência na aquisição das benfeitorias. Estabelece ainda o decreto que, a cada índio posto na posse de um lote, será passado o respectivo título, com a condição de não fazer nenhuma transação (ato 72)..

Duas áreas seriam passadas à municipalidade, em primeiro lugar aquelas necessárias a resguardar as nascentes, consideradas de utilidade pública, onde numa "área razoável e determinada, entregue a municipalidade" não se permitirá morador ou plantação, salvo a de essências florestais (ato 6º). E outra, a ser discutida por uma comissão, "para completar a área urbana e de acordo com o desenvolvimento que vai tendo a cidade" (16º).

O "Termo de cessão de uma área de terras que fazem os índios carnijós a municipalidade das Águas Belas", decorrente do 16º ato do Decreto 637/28 é assinado dois meses depois e nele ficam descritos novos limites para a cidade e ainda a criação de uma avenida - "Estácio Coimbra em homenagem ao governador que solucionou justa e definitivamente a antiga questão das terras do aldeamento de Ipanema" - de 70 m. de largura separando a área da municipalidade da área dos índios.

O SPI Instala no mesmo ano de 1928 um posto Indígena no Distrito de Águas Belas, e no relatório do Ministério descreve que os "civilizados usufrutuários gratuitos foram transformados em arrendatários que devem pagar pelas terras ocupadas, alguns lotes foram arrendados, outros servirão ao cultivo por parte dos indígenas. 227 ha foram destinados­ à reserva florestal" (LIMA, 1992: Anexo 3, p.72).

Aliás o Decreto Estadual nº 637/28 atribui ao Posto do SPI a função de assistência de saúde e educação não só aos índios, mas também aos "filhos dos rendeiros e a eles próprios" (atos 132 e 142).

Segundo a publicação "Pernambuco, seus índios suas terras", elaborado pela SID/DFU/3º SUER/FUNAI, em 1991, a FUNAI teria em 1971 realizado a demarcação administrativa da AI Fulni-ô com 11.506 ha, porém sem " executar o levantamento topográfico (necessário principalmente para definir os limites entre o núcleo urbano e a área), o memorial descritivo e nem o cadastramento de ocupantes não-índios de lotes ou glebas dentro da área Indígena definida. O número de hectares apresentado acima não parece levar em conta a área urbana e todas as alterações ocasionadas pelo decreto de 1928. A mesma FUNAI informa que já havia realizado pelo menos três levantamentos para a definição dos limites, o último deles com a participação da Prefeitura de Águas Belas (“Quadro de acompanhamento das áreas indígenas”, FUNAI/3º SUER, 1988). Em 1985 após "insistência" dos Fulni-ô junto à 3ª Delegacia Regional em Recife, a FUNAI realizou uma: aviventação dos limites da área indígena, mas o processo teria sido perdido pelo então Delegado. (CEDI, 1986: 256)

É bastante difícil hoje fazer a conta dos diversos casos de áreas tratados no decreto de 1928 - último ato formal de definição de limites da área -, tendo-se a dimensão exata e os limites da área. Fato a se destacar é que ficou reconhecido pelo poder público o domínio dos índios sobre a área, num tratamento ora global, como quando da demarcação da área, ora reconhecendo os lotes, quando da administração dos arrendamentos. Esta situação nos levou a tratar esta área como Dominial Indígena, embora não exista nenhum ato que formalize tal categoria nos termos do Estatuto do índio (Lei 6001 / 73).



Informações complementares:

Os Fulni-ô atualmente ocupam uma área dividida em 427 lotes individuais, que totalizam 11505 ha. Este perímetro registrado pela FUNAI, está inserido nos limites de uma proposta de terra (ainda não formalizada) a partir de estudos de identificação realizados por GT no ano de 2003. Recentemente foi constituído GT (portaria 492/PRES/04 de 16.04.2004) para dar prosseguimento aos estudos iniciados em 2003, com a conclusão do Levantamento Fundiário, que havia sido interrompido pela FUNAI no final do ano passado.

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